sexta-feira, 19 de abril de 2024



"A tarde é a velhice do dia.

Cada dia é uma pequena vida, e cada pôr do Sol uma pequena morte."


Arthur Schopenhauer



                                               Antonieta D Figueiredo digital art
 


"O amor chegou, e desembarcou no cais,
onde ninguém o esperava, fazendo
a cidade inteira estremecer, como se
o amor a tocasse.
Mas alguém o viu sair
do barco, e levou-o para a fila
da alfândega, onde lhe perguntaram:
"Donde vem? Que traz consigo?
Mostre o passaporte."
O amor não percebeu
o que lhe pediam; pôs o arco sobre
a mesa, e juntou-lhe as flechas.
“Tudo apreendido: não queremos agressões
nesta cidade; proibidas as armas brancas.”
E o amor, sem passaporte, ficou no cais,
por entre sacos de lixo e vagabundos
sem nada para fazer.
E à noite, quando a cidade
adormece, todos perguntam
quando chega o amor."
Nuno Júdice
in “A Chegada do Amor”.



 



Génese

"Todo o poema começa de manhã, com o sol.

 Mesmo que o poema não esteja à vista (isto é, céu de chuva)

o poema é o que explica tudo, o que dá luz

à terra, ao céu, e com nuvens à mistura - a luz incomoda

quando é excessiva.

Depois, o poema sobe

com as névoas que o dia arrasta; mete-se pelas copas das

árvores, canta com os pássaros e corre com os ribeiros

que vêm não se sabe de onde e vão para onde

não se sabe.

O poema conta como tudo é feito:

menos ele próprio, que começa por um acaso cinzento,

como esta manhã, e acaba, também por acaso,

com o sol a querer romper."

Nuno Júdice


                                                     Escultura s/tela Antonieta Figueiredo


 

"Os meus olhos viajam mais que as minhas pernas.
O meu pensamento mais que os meus olhos"

Jose E.Agulusa-A vida no céu.








Antonieta D Figueiredo digital art

"A incerteza cai com a tarde
no limite da praia. Um pássaro
apanhou-a, como se fosse
um peixe, e sobrevoa as dunas
levando-a no bico. 
O seu desenho é nítido, sem
as sombras da dúvida ou
as manchas indecisas da
angústia. Termina com a
interrogação, os traços do fim,
o recorte branco das ondas
na maré baixa. Subo a estrofe
até apanhar esse pássaro
com o verso, prendo-o à frase,
para que as suas asas deixem
de bater e o bico se abra.
 Então, a incerteza cai-me na página, e
arrasta-se pelo poema, até
me escorrer pelos dedos para
dentro da própria alma.

Nuno Júdice